sábado, 6 de dezembro de 2008

O Papel do Educador


Quem não se lembra do premiadíssimo filme Central do Brasil de Walter Salles, que trazia no papel principal a talentosa e renomada atriz Fernanda Montenegro e o então menino de rua e, posteriormente ator, Vinícius de Oliveira, nos papéis, respectivamente, de Dora e Josué? Talvez já nem lembre da sinopse do filme, mas contava a história de uma “escrevedora” de cartas, professora primária aposentada, que em razão do baixo salário de aposentadoria e dificuldades financeiras, passou a escrever cartas para pessoas analfabetas. E olha que a clientela dela era grande, sem mencionar o fato de que ela recebia pelos serviços prestados e não remetia as cartas aos destinatários!
O plano de fundo do filme trazia uma belíssima mensagem. Por ironia do destino, uma das clientes de Dora sofre um acidente e deixa o filho, uma criança de aproximadamente 8 anos órfã. Perdido na cidade grande, o menino literalmente “gruda” na escrevente, que é a única pessoa com quem a mãe havia mantido um breve contato e a única em quem ele, por força das circunstâncias, sentiu que deveria se apegar. Mesmo contrariada, a mulher amarga e sofrida se vê no compromisso moral de atender o menino até que consiga localizar algum familiar que possa se responsabilizar por ele. O arrependimento começa a bater nesta mulher, que percebe que já não detém mais o poder sobre o destino das pessoas (mandar ou não as cartas). Ela passa a ser pouco a pouco transformada por este novo mundo e pelos personagens que encontra no caminho. Josué também começa a descobrir um outro universo. Ela se viu forçada, através daquela pequena criança a consertar o que de mal fizera a tanta gente por tanto tempo que ela se dispôs a vender poucos pertences de valor e partir para a aventura de localizar a família da criança. Na medida em que viajavam e passavam por alguns apuros, um sentimento de amizade foi surgindo entre os dois e juntos aprendiam e ensinavam um ao outro.
As interpretações são as mais variadas, tudo depende da ótica de quem vê. Mas uma coisa é certa: o filme abordava a questão da ética sob muitas perspectivas. Dois pontos em destaque: o momento em que sem um tostão no bolso para matar a fome, ela volta a escrever cartas e depois o menino, pelo exemplo aprendido, joga todo o material no lixo. Neste momento, ela decide enviar todas as cartas, buscando corrigir suas falhas e ao mesmo tempo ciente de que a simplicidade contida numa missiva pode salvar vidas ou mesmo levar esperança a quem já não possui. Outro momento é quando cumprida a missão de levá-lo até sua verdadeira família, ela se despede da mesma maneira como o conheceu: através de uma carta, porém dessa vez, endereçada a ele. Nela, há um ponto muito interessante: relata que ao realizar o sonho do menino - que era de ser caminhoneiro, ela pede que ele jamais esqueça de que foi ela que o colocou sentado pela primeira vez ao volante, na boléia de um caminhão. Distantes e entre lágrimas, os dois choram ao mesmo tempo em que, de sua amizade, ostentam um pequeno retrato juntos, para que sirva de recordação para ambos matarem a saudade, na medida em que o tempo passar.
Curioso como não pude deixar de relacionar com a realidade do professor. Por muito tempo somos úteis à sociedade, pois a maioria das pessoas passa pela escola (não generalizo em razão do grande número de analfabetismo que ainda existe no País, e o filme mesmo que na ficção também mostra essa realidade) e lá aprende não só os conteúdos mínimos, mas também valores como ética, solidariedade e muitas outras coisas que algumas famílias já nos transferiram como responsabilidade. Educação no sentido amplo das palavras. Porém, nem sempre é fácil desempenhar esse papel: não bastasse o paternalismo na educação, defasagem salarial e falta de incentivo ou apoio aos educadores, ainda temos não uma inversão de papéis, mas acúmulo de tarefas: tornamo-nos os grandes vilões da história, e poucos são aqueles que tem a grandeza de exercer a empatia – que considero um dos maiores valores que o ser humano tem, e entender ou valorizar o profissional da Educação.
Enquanto a maioria das pessoas vai para suas casas, depois de uma exaustiva semana de trabalho a fim de descansar, as formiguinhas operárias vão para seus lares com farto material para corrigir, provas para elaborar, médias para fechar e muitas vezes são expostas a situações constrangedoras diante da falta de educação de alguns alunos e de pessoas que cruzam os braços diante da educação e que criticam sem conhecer a realidade dos profissionais que fazem sua parte, projetam o Estado como o primeiro colocado no Exame Nacional do Ensino Médio e em outros trabalhos e projetos que são tantos que o espaço aqui seria insuficiente para citar tudo.
Mas o que tem a ver o filme com essa realidade? A intertextualidade feita entre a atual situação na Educação e com o filme bem poderia fazer com que entendêssemos que muitas vezes somos forçados a trilhar caminhos tortuosos para fazer valer nossos direitos, para poder sobreviver no atual cenário. Penso também na crônica do professor que é sempre o culpado de tudo, mas que se alguém consegue finalizar a leitura dessas linhas, foi porque algum professor capacitou-o para executar essa tarefa, através da alfabetização. Pena que não haja muita reflexão nesse sentido. E tal como Fernanda Montenegro, ao final do filme, deixo também essa mensagem: quando vocês, alunos, tornarem-se cidadãos bem-sucedidos profissionalmente, quer sejam políticos, empresários ou o que a força de vontade, oportunidades e destino assim permitir nas mais diversas áreas de atuação, não se esqueçam de que houve um professor nas suas vidas que lhes ensinou a ler, escrever, pensar, opinar e contribuir para que você chegasse onde hoje está e, sobretudo, conseguindo concluir esta leitura!

Patrícia Daiane Rech de Oliveira – Professora Graduada em Letras – Licenciatura Plena.