Recebi através de um e-mail o magnífico texto "Sobre o tempo e jaboticabas" de Ricardo Gondim e, confesso, caiu como uma luva: veio bem ao encontro da atual situação que estou vivenciando. Sabe quando algo parece ter sido escrito direcionado a você? Tentei buscar alguma referência personalizada, do tipo foto 3x4, número de RG ou CPF que identificassem que ele escrevera para mim ou que, por alguma razão, soubesse o que eu estava sentindo. Óbvio que não e, brincadeiras à parte, o texto demonstra uma certa insatisfação com alguns valores às avessas com os quais precisamos conviver. E me fez sentir mais próxima dos mortais - sinal de que não estou tão distante do pensamento de algumas pessoas - sim, sou normal! (ou pelo menos nesse sentido!)
Jaboticaba é minha fruta predileta e,excluíndo-se as piadinhas relacionadas a essa típica fruta brasileira, posso dizer que muito mais do que apreciar os doces frutos pequenos, de casca negra e polpa branca, o favoritismo se dá pela escassez das mesmas ou mesmo pela dificuldade em encontrá-las, já que florescem duas vezes por ano. Na antiga casa em que morava, havia três pés de jaboticabas e era um dos raros momentos em que podia me permitir sentar à sombra dessas árvores, degustar seu sabor e esquecer da rotina intensa de trabalho.Simples assim.
O texto de Gondim tocou-me profundamente pela mensagem que relembrava a história de um menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, roeu até o caroço.Assim me parece que deveria ser nossa postura diante da vida e das pessoas: imaginar que a bacia está meio vazia. Não se trata de uma visão pessimista, mas uma maneira de apreciar o pouco tempo que temos e fazer coisas boas que beneficiem aos outros e a nós mesmos - por tabela. Praticar o bem sem olhar a quem é algo imprescindível no nosso processo de crescimento como seres humanos.A reflexão que o texto nos traz é divina e transcrevo uma das várias passagens que me chamou a atenção: "Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos a limpo”.Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos“. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…"
Dói muito perceber que hoje somos reduzidos a números, cargos hierárquicos ou coisas do gênero que insistem em mascarar nossos verdadeiros valores. Considero cruel os interesses individuais se sobreporem aos interesses coletivos. Ainda bem que ainda existem pessoas que preservam o bom senso e refletem esse valor em suas ações. Essa, sem dúvida, é uma das razões que motivam aqueles que buscam fazer a diferença em seu convívio familiar, escolar, entre amigos ou mesmo no ambiente de trabalho.
Hoje moro em um apartamento, quase não encontro jaboticabas nem mesmo à venda. Também se tornaram raras - tais como as jaboticabas - pessoas que valorizam o SER muito mais do que o TER.
Para encerrar esse momento zen ou nostálgico, reproduzo mais uma passagem que também é uma opinião compartilhada com o autor: "Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus." Sem esquecer, é claro, que quanto mais maduros, mais doces serão os frutos. Assim como as pessoas e o resultado de suas ações.