quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Enchendo linguiça

Estou tentando me adaptar às novas regras da reforma ortográfica, mas confesso que reluto um pouco diante da ideia de suprimir algumas acentuações a que já estava acostumada a fazer uso de acordo com as instruções que recebi durante toda a minha vida estudantil e hábitos de leitura. Mais do que isso, implica em vícios na escrita que desenvolvemos ao longo dos anos para estabelecer comunicação. Sei que levará algum tempo até descartar o que levamos anos para dominar na linguagem escrita e, mais do que comércio de livros e acordos políticos, creio que seja um dos reflexos da influência e consolidação do "internetês", esse novo código de comunicação que dia a dia ganha mais adeptos. Considero, como professora de língua portuguesa, um empobrecimento de nosso vocabulário, mas é o inevitável choque de diversidade cultural que os avanços tecnológicos nos trazem. C'est la vie. Agora entendo a relutância de meu pai, que até hoje insiste em escrever a palavra 'môço' (assim mesmo, com acento circunflexo para indicar a tonicidade da sílaba), mesmo decorrido um bom tempo da reforma ortográfica anterior à nova realidade que se apresenta.E, acredito, ainda cometeremos muitos 'erros' até nos adequarmos a essas regras.
Isso remete a um texto que abordei certa vez em uma de minhas aulas no terceiro ano do ensino médio. Lembro-me perfeitamente que os alunos ficavam confusos diante do que se apresentava e reclamavam que certas coisas são melhores de preservar justamente como estão. Transcrevo aqui um pequeno trecho do confuso texto - razão de suas reclamações: "Eis aqui um programa de cinco anos para resolver o problema da falta de autoconfiança do brasileiro na sua capacidade gramatical e ortográfica. Em vez de melhorar o ensino, vamos facilitar as coisas, afinal, o português é difícil demais mesmo. Para não assustar os poucos que sabem escrever, nem deixar mais confusos os que ainda tentam acertar, faremos tudo de forma gradual.

No primeiro ano, o "Ç" vai substituir o "S" e o "C" sibilantes, e o "Z" o "S" suave. Peçoas que açeçam a internet com freqüênçia vão adorar, prinçipalmente os adoleçentes. O "C" duro e o "QU" em que o "U" não é pronunçiado çerão trokados pelo "K", já ke o çom é ekivalente. Iço deve akabar kom a konfuzão, e os teklados de komputador terão uma tekla a menos, olha çó ke koiza prátika e ekonômika.
Haverá um aumento do entuziasmo por parte do públiko no çegundo ano, kuando o problemátiko "H" mudo e todos os acentos, inkluzive o til, seraum eliminados. O "CH" çera çimplifikado para "X" e o "LH" pra "LI" ke da no mesmo e e mais façil. Iço fara kom ke palavras como "onra" fikem 20% mais kurtas e akabara kom o problema de çaber komo çe eskreve xuxu, xa e xatiçe. Da mesma forma, o "G" ço çera uzado kuando o çom for komo em "gordo", e çem o "U" porke naum çera preçizo, ja ke kuando o çom for igual ao de "G" em "tigela", uza-çe o "J" pra façilitar ainda mais a vida da jente.
No terçeiro ano, a açeitaçaum publika da nova ortografia devera atinjir o estajio em ke mudanças mais komplikadas serão poçiveis. O governo vai enkorajar a remoçaum de letras dobradas que alem de desneçeçarias çempre foraum um problema terivel para as peçoas, que akabam fikando kom teror de soletrar. Alem diço, todos konkordaum ke os çinais de pontuaçaum komo virgulas dois pontos kraze aspas e traveçaum tambem çaum difíçeis de uzar e preçizam kair e olia falando çerio já vaum tarde."
E por aí vai. Isso mesmo. O texto que foi escrito por alguma pessoa que não consegui identificar mas que considero fantástica, não só pela boa dose de humor aplicada, mas também por demonstrar que os mecanismos que muitas vezes se criam para facilitar a comunicação são, de certo modo, mais complicações que se criam, nos fazem refletir sobre nosso papel como educadores e a flexibilidade de postura que precisamos ter para não sermos "analfabetos virtuais". Como Coordenadora de Biblioteca Pública, tenho uma grande preocupação diante do acervo que constitui este espaço e que, provavelmente deverá ser descartado por ser considerado obsoleto. Caso sério.E para mostrar que, a exemplo do símbolo do ying yang - nem todo bem é bem e nem todo mal é mal, vou detonar com a imagem de um de meus ídolos maiores - Bill Gates - que, certa vez comentara que o livro seria substituído pelo computador. Importante salientar que para fazer essa colocação, Gates escreveu...um livro! Vê se pode! Pura encheção de linguiça mesmo!
(Obs.: Perceberam que acabei com o trema e me policiei em algumas acentuações? Pois é... confesso que meio a contragosto, mas estou procurando mesmo me adequar às novas regras. Juro!!!)